terça-feira, 30 de março de 2010

Um poema metafísico*

Por José Cícero*
Ontem à meia noite e meia fiz o meu poema mais bonito. Uma verdadeira ode ao silêncio quando me senti perdido em meio a solidão de mim mesmo e de tudo o mais que existe. Como alguém tremendo de frio abraçado aos seus tormentos sorvendo os efeitos do seu próprio medo.
Meu poema mais bonito continha todo o lirismo possível que a poética do mundo poderia conceber.
Um poema arbusto, rasteiro com gosto de terra e cheiro de verdade. Um poema surreal como um peditório consagrado à perfeição dos gestos e dos sentimentos mais altaneiros da fauna humana como um mero atributo dos bichos brutos. Um poema de louvor e estranhamento como uma carta ousada adolescente escrita às escondidas sob a sombra dos antigos arvoredos.
À meia noite e meia de ontem embevecido pela solidão do mundo conclui o meu poema mais bonito, prenhe de encanto e de desvelo. Debaixo de um céu de chumbo queimando meu crânio e os meus neurônios entre seus mistérios e seus segredos.
Um poema novo e diferente reacendendo em todos, o fogo da confiança nas coisas possíveis.
Um poema sensível cheio de verdades. Uma oração inteiramente dedicada às utopias e aos sonhos dos que, tocados pela fortaleza dos deuses, ainda não perderam por completo as esperanças no amanhã e a vontade de viver, assim como a coragem de acreditar na possibilidade de um futuro de felicidade.
Um poema sensível, quase inocente como uma canção de ninar a embalar as criancinhas ainda agora, por entre nós, pensando pelos homens adultos entretidos, contando seus metais ao redor do fogareiro demoníaco.
E, quando enfim me dei conta, vi que meu poema estava repleto de grandes olhos. Era como um ser estranho, um alienígena, olhando para mim como um promotor que interroga de modo irascível um criminoso.
Aquele olhar era penetrante ao ponto de eu também me ver ali, por meio daquela ótica ensandecida. Era enfim, a minha luneta mágica através da qual eu procurarava psicologicamente enxergar pelo seu lado oposto, tudo que até então eu ainda não tinha conhecimento.
Vi-me por dentro. Estava em frangalhos. Enxerguei pela ótica bizarra daquele poema toda a dimensão dos meus erros cometidos por todos estes anos. Estava ali, diante de mim mesmo, como quem realiza um acerto de contas com seu Eu profundo. Na tentativa desesperada de consertar a tempo, meus equívocos e meus defeitos. Tanto por fora quanto por dentro, eu era um estrago no sentido mais lato do termo.
Por meio do meu poema mais bonito pude finalmente enxergar a nudez absoluta do meu ser, ante a mais cruel de todas as misérias que já se abatera por sobre o mundo.
Aquele poema de alguma maneira conseguiu tocar a minha alma como espinhos furando sem dó nem piedade a minha carne. Quem sabe para que eu pudesse me dá conta que ainda estava vivo.
Ou ainda para que eu pudesse enfim, despertar para o novo mundo que se avizinhava bem a minha frente, em meio as divagações daqueles versos esquistos. Um despertar para os meus sacrilégios recorrentemente dissolvidos nos meus gestos cotidianos.
Através do meu poema, percebi que a beleza, assim como a miséria do mundo tinham muito a ver comigo. Também era da minha conta, vez que compunha o meu universo entrínseco. E eu chorei copiosamente como um menino em abandono chorando sua sorte, sua desventura e seus desejos não realizados. Senti como ninguém jamais poderia toda a solidão que existe neste mundo...
O excesso de verdade contido no meu poema era como faca peixeira nas mãos de exímios açougueiros retalhando a minha carne fraca em desvario intenso.
E eu sofri em demasia naquela noite, até o nascer do dia, como quem sofre eternamente as dores mais fortes do mundo inteiro.
Quando enfim, o sol surgiu no azimute mundano; o meu poema mais bonito encheu a minha vida de esperanças e de outras utopias impossíveis.
Com o meu poema novo morri e ressuscitei tantas vezes precisei e, sempre quando carreguei nos meus próprios ombros o fardo pesado do tempo ido jogado sobre a minha vida inteira por todos os gigantes do mundo.
O meu poema mais bonito em definitivo, é agora o meu espelho. A minha outra face. A verdade que carrego pela vida afora e que escolhi para mim mesmo.
(*) José Cícero
Prof. Poeta e Escritor
Secretário Mun. de Cultura
Aurora - CE.
In Fragtais Imensos(Inédito/2010)
Foto: da Internet
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Um comentário:

Unknown disse...

Caro amigo josé Cicero, como a matéria é fragil, vez por outra a nossa alma a vagar nos horizontes perdidos do infinito, o corpo pobre corpo, como se estivesse inerte, é um estágio de catarse, a gente fica numa solidão intensa, percorre o infinito e ganha a nova dimensão do ser, se não no planeta terra, pelo menos em outro, no meu caso o meu grande poema, o maior de todos, o que eu moro e vivo - Aquarius.
A vida transcende as nossas convicções e nos leva a infinitude do mistério - Por que ?